APRESENTAÇÃO




O XXV CONGRESSO ARQUISUR apresentou em 2022 o tema “Diálogos Epistemológicos na América Latina: a educação em arquitetura e urbanismo”.

O Congresso Arquisur é parte das atividades dos Encontros Arquisur promovidos anualmente pela Associação de Escolas e Faculdades de Arquitetura Públicas da América do Sul, fundada em 1992. Essa Associação visa consolidar um espaço acadêmico de cooperação científica, tecnológica, educacional e cultural entre seus membros, envolvendo, atualmente, 31 escolas e faculdades da Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai.

Nesse evento anual, realiza-se também a divulgação das premiações organizadas pela Arquisur que são destinadas às comunidades das Escolas e Faculdades associadas e abrangem a tríade ensino-pesquisa-extensão: Prêmio Aroztegui, voltado a trabalhos discentes das disciplinas de projeto da graduação; o Prêmio de Extensão e o Prêmio de Pesquisa.



TEMA, PROBLEMAS E POTENCIAIS CONTRIBUIÇÕES PARA A ÁREA

A partir do tema proposto, "Diálogos epistemológicos na América Latina: a educação em arquitetura e urbanismo, entendemos a cidade, como construção coletiva baseada em experiências e saberes diversos, como um palimpsesto da vida em comum. Nessa sobreposição de escrituras, é possível entrever que alguns vestígios são mais visíveis que outros, uma vez que o poder de transformação dos espaços da vida guarda relações assimétricas entre grupos sociais, sejam elas desigualdades de classe, gênero, sexualidade, raça, entre outros. Com a modernidade, a cidade passa a ser, também, engendrada pelas forças do capital, produzindo-se práticas de controle e mercantilização do território autorizadas por um discurso universalizante e hegemônico às custas de uma miríade de exclusões e apagamentos urbanos. Para Raquel Rolnik (2019), o controle e a exploração se constituem como leis invisíveis que estruturam a vida social, concentrando o poder político e econômico na mão de alguns e subordinando a maioria das pessoas que, ao internalizarem essas leis, vendem sua força de trabalho e mantém o status quo de cidades desiguais e segregadoras.

Diante disso, entendemos que há uma urgência no reposicionamento da arquitetura e do urbanismo no sentido de repensar as epistemologias que fundamentam suas bases de reflexão e operação na educação, particularmente nas escolas públicas. É de responsabilidade dos operadores do conhecimento aproximar-se da realidade complexa da cidade latino-americana, buscando experimentar novas composições de leitura, projeto e planejamento que incorporem a ancestralidade dos povos originários e o respeito a valores como igualdade-diferença, multiplicidade e democracia. E, desse modo, atualizar as disciplinas de arquitetura, urbanismo e design em uma perspectiva crítica, aliada a uma prática transformadora como é proposto por Freire (1980), tanto do ponto de vista da equidade social, como do equilíbrio ambiental.

Nos parece relevante que repensemos aquilo que naturalizamos como conhecimento e como cidade a partir dos pressupostos coloniais, reorientando o pensar/fazer técnico na direção de uma ética planetária e de uma política da partilha (RANCIÈRE, 2009; MORIN, 2007). A partir de pedagogias que promovam o pensamento crítico sobre o aprofundamento da crise planetária que afeta e é afetada pelas cidades, a educação em arquitetura, urbanismo e design pode avançar na direção de uma ação transformadora que tenha a proteção da vida das pessoas e do planeta como valores de referência.

Novas composições epistemológicas

Ao pautarmos novas composições epistemológicas, propomos deslocamentos do olhar incidente sobre o “ensino” para a “educação”, o que, ao fim, conduzirá a reflexões sobre os processos atuais de ensino/aprendizagem. Entendemos a educação, desde a etimologia da palavra (educatĭo,ōnis), como a ação de criar, de nutrir o desenvolvimento intelectual e cultural do indivíduo, para além da aprendizagem de conhecimentos e habilidades específicas. Deslocar a perspectiva para a educação, portanto, exige atenção para os modos-de-ver e modos-de-pensar, transcendendo o pragmatismo ou o instrumentalismo dos modos-de-fazer sobre os quais o ensino, recorrentemente, dedica exclusiva atenção.

Desde aí podem emergir debates que busquem estabelecer ou (re) significar os pilares ou saberes fundamentais à educação, como aqueles apontados nos Quatro pilares da educação do futuro (DELORS, et al., 1998) e nos Sete Saberes da Educação do Futuro (MORIN, 2007). Embora transcorridos mais de vinte anos de suas publicações, nos parece que estes textos ainda formulam discussões relevantes, merecedoras de revisitação e ressignificação.

Entendemos, contudo, que para além do futuro, o enfrentamento da educação exige atenção para um presente em “crise permanente” (SOUZA SANTOS, 2020), desde onde o modo como entendemos o mundo e edificamos nossas vidas impactará o futuro incerto. É sobre o futuro desenhado pelo presente que apontam manifestações vindas dos quatro cantos do mundo, da academia e da vida cotidiana, como o do libanês e professor da Escola de Arquitetura e Planejamento do MIT Hashim Sarski (2021) que, ao fazer a curadoria da Bienal de Veneza de 2021, questiona: Como viveremos juntos?; bem como Ailton Krenak (2020), filósofo, ambientalista e escritor brasileiro que, ao propor ressignificações da relação humanidade-natureza, inquire: Como, adiar o fim do mundo?

Diante disso, cabe questionar: como o ensino de arquitetura e urbanismo pode ampliar a perspectiva de uma educação centrada em modos-de-ver e modos-de-pensar (cosmovisões, paradigmas, mentalidades) que questionam abordagens totalizantes e uniformizantes do presente e, consequentemente, do futuro? Como o ensino na América Latina, atravessada pela pobreza, urbanização descontrolada, esgotamento ambiental e outros desafios socioespaciais, educa para a profissão e para a cidadania numa perspectiva de ética-planetária e de política-partilhada?



EIXOS CONCEITUAIS

Para tentar responder essas questões, abrir outras e, ainda, deixá-las inconclusas, são propostos quatro eixos conceituais e reflexivos:

Ação-reflexão sobre contextos atuais e futuros: Como incentivar o conhecimento de si mesmo (a intuição, a livre manifestação, a autonomia-iniciativa, o gosto pela provocação, a crítica, o risco), levando à imaginação-criatividade, à experimentação e à descoberta no pensar-projetar-construir o habitat? Como superar a alienação imposta pela propaganda e publicidade e o conformismo dos comportamentos, em detrimento de necessidades autênticas e de identidades culturais? Como inventar, investigar e construir novos contextos, desenhados desde o questionamento da realidade?

Ação-reflexão coletiva - com-outros: Como incentivar o conhecimento do outro, valorizando semelhanças, mas também, as diferenças? Como ensinar que a emergência de um “outro”, enquadrado em categorias e divisões de classe, raça, gênero, decorre da concepção de “justiça” que promove o acesso desigual aos diferentes tipos de capital (econômico, cultural, político, social)? Como promover formas de empatia e identificação entre próximos e distantes, superando preconceitos e hostilidades ou, como quer Sarski (2021), combatendo atravessamentos opressores e excludentes? Como as teorias podem nos ensinar a acatar conflitos como condição inescapável do viver, dando lugar à comunicação, à cooperação e à (re)construção do comum (FEDERICI, 2019)? Como superar o espírito de competição e de sucesso individual e os déficits relacionais que regem a sociedade contemporânea? Quais as implicações, para o ensino e as cidades, da atuação de movimentos sociais que desafiam as concepções hoje presentes/dominantes?

Ação-reflexão na incerteza e na complexidade: Como aprender a fazer-atuar com o imprevisto, o inesperado, e com predisposições para modificar percursos e processos simplificadores? Como lidar com lógicas complexas, multidimensionais, e em contínua transformação, onde local-global, específico-diverso, todo-parte, indivíduo-sociedade, natural-construído, rural-urbano se afetam mutuamente? Como transpor o tradicional enfoque estético da disciplina e contemplar o estético-ético-político, incorporando valores culturais, morais e legais às práticas projetuais?

Ação-reflexão sobre o domínio dos próprios instrumentos do conhecimento: Como aprender com erros e ilusões do conhecimento? Como aprender a integrar conhecimentos e linguagens de outras áreas e campos de conhecimento, da cultura erudita e popular, das artes e da natureza, das teorias e das práticas, relativizando a importância de saberes especializados para compreender/ensinar os diversos aspectos da realidade? Como ressignificar o papel das técnicas e tecnologias, da teoria e da filosofia, do contexto e das relações (de poder) no processo de educação? Como incentivar o prazer de compreender, conhecer, descobrir? Como aprender que aprender é um processo individual e coletivo, urgente e contínuo, no espaço-tempo de um mundo em constante transformação?

Esses quatro eixos se propõem abrangentes e são transversais a todas as Sessões Temáticas (ST) propostas para o evento. Essas STs contemplam sete sub-áreas tradicionais da Arquitetura e Urbanismo, dialogando com práticas e reflexões do Design, como estratégia para despertar o foco de interesse dos(as) participantes: para facilitar o endereçamento dos trabalhos. Interessa às STs discutir os temas a partir do contexto latinoamericano. Os trabalhos - relatos, análises de casos e experiências, crônicas, ensaios e outros - devem vincular ou articular os temas propostos pela ST eleita a um dos Eixos Conceituais, sendo essa articulação um dos critérios de seleção. Podem ser encaminhados, indistintamente, trabalhos que posicionem o ensino, a pesquisa e a extensão como lugares privilegiados para o diálogo sobre a cidade latino-americana, em busca de uma educação para a profissão baseada na perspectiva da ética-planetária e da política-partilhada.